O fim da era dos discos?

19 01 2010

Eu defendo e sou a favor da troca de músicas pela internet.

Não vejo razão nos artistas que esgoelam contra o compartilhamento, a favor do moribundo Compact Disc, uma das maiores aberrações do mercado fonográfico na história.

Aberração que durou 20 anos, mesmo que quase nenhum CD tenha durado todo este tempo para contar a história, já que são feitos de um material sensível, desde a caixa até o disco.

Nada é melhor do que poder ouvir novas e boas músicas sem o controle da indústria e do mercado, baixar, trocar, distribuir músicas de qualidade, para um público muito maior, mais inteligente, mais espontâneo.

Pena que nem todo mundo pense assim. Sorte nossa que bandas como Radiohead pensam.

Mas um dos maiores produtores da música atual, Brian Eno, deu a seguinte declaração, copiada do blog Ilustrada no Pop:

“Eu acho que os discos foram apenas uma pequena bolha no tempo, e aqueles que conseguiram viver deles por um tempo tiveram sorte.  Não há razão por que alguém deveria ter conseguido tanto dinheiro com a venda de discos, só o fato de que tudo deu certo nesse período específico de tempo. Sempre soube que isso se esgotaria cedo ou tarde. Não poderia durar, e agora está se esgotando. Particularmente, não me importo que esteja, gosto do jeito como as coisas estão acontecendo. A era dos discos foi apenas uma piscadela. Era mais ou menos como se você tivesse uma fonte de gordura de baleia nos anos 1840 e ela pudesse ser usada como combustível. Antes de surgir a gasolina, se você negociava gordura de baleia, você era o homem mais rico da Terra. Aí a gasolina apareceu e você ficou encalhado com sua gordura de baleia. Sinto muito, companheiro – a história não para. Música gravada é igual à gordura de baleia. Eventualmente, algo vai substituí-la.”

Brian Eno, em boa entrevista ao “Guardian”.





Michael Joseph Jackson (1958 – 2009)

26 06 2009

MJ

Eu perdi o maior ídolo da minha vida nesta quinta-feira. Nunca havia ficado tão triste com a morte de um artista.

Michael Joseph Jackson esteve presente em todos os melhores momentos da minha vida, desde que, ainda aos 8, me encantei com aquele sujeito estranho dançando e cantando como ninguém, na televisão.

Imediatamente comecei a imitar seus passos. A fazer apresentações nas tantas festas de família. Ao lado de meus primos, eu era o próprio líder do Jacksons Five.

Era sua última visita ao Brasil para um show. Em São Paulo, no Morumbi. E eu havia recém descoberto o grande artista da música pop. Tarde demais.

Desde então, passeei por sua carreira como se ele estivesse dividindo seus sentimentos comigo.

A braveza e atitude de bad, a sensibilidade de Gone Too Soon e Just Can’t Stop Loving You, as mensagens tocantes de Heal The World, Man In The Mirror e Will You Be There, quando ele deixava escapar: “I am only human”.

Confesso, gostava mais das baladas. De suas tentativas de mobilizar o mundo, muito antes dos artistas de cinema.

Lembro do velho vinil de Bad, descoberto no porão da casa de minha avó, que servia de base de apresentações entre os primos.

Em uma dessas, me apresentei enrolando um Beat It, com direito a coreografia, mas fui engolido pela minha própria timidez em Heal The World, talvez sua canção mais bonita. Cantei de costas. E ele deve estar rindo disso agora.

Foi o artista que eu mais ouvi, que mais admirei, que mais tive vontade de ver ao vivo.

E adoeci com ele a cada vez que a mídia o castigava.

Ele, que praticamente criou o pop, sentou em seu trono muito jovem, teve de abrir mão de sua infância por imposição de um pai cruel, mas depois que assumiu o controle de sua vida, decretou: serei criança pelo resto de meus dias.

Defendi Michael de todas as acusações feitas por pais oportunistas, que viam nele uma oportunidade de ganhar dinheiro.

E admirava sua atenção com as crianças. Para mim, sempre, sem malícia. Uma admiração verdadeira. Infantil.

A mídia onde estava? A favor dos calhordas. Como sempre. Esperando a queda do Rei.

Não, o jornalismo moderno não merece nenhuma lembrança na trajetória de Michael Jackson.

Pois o empurrou para a solidão, questionou seus costumes, vasculhou sua vida, invadiu seu coração, e o que encontrou? nada.

Os fãs, que sentiam nas músicas do Rei do Pop a autenticidade e sinceridade que tanto faltam no resto do mundo, nunca o deixaram de lado.

Repetiam, com ele: You Are Not Alone. I Believe In You. Don’t Fall Apart. You’re Always In My Heart.

E foi por eles que ele se propôs a retornar. Com 50 shows, esgotados em poucos minutos. 850 mil testemunhas. Não deu tempo.

O sétimo filho da família Jackson era uma pessoa de coração enorme. Que, no auge de sua popularidade, sofreu com problemas de saúde.

Quando mais execraram sua imagem, ele fez a maior turnê que se tem notícia: a Dangerous Tour. Com todos os ingressos esgotados em todos os cantos do planeta. Essa é a crise contada por todas as suas retrospectivas.

Hoje, seus discos voltaram à lista dos mais vendidos do mundo. Na verdade, mais de 300 milhões de cópias já foram vendidas com o nome do King of Pop na capa. O maior da história humana.

A mídia não conseguiu apagar, e sequer arranhar, Michael Jackson. Nem poderá compreender a pessoa sensível que este Deus da música foi em vida.

Amado por todos que o conheciam, deixa uma lacuna enorme, que um mundo como o nosso não poderá preencher.

Quando seu coração parou de bater, cansado de lutar, um pouco de mim também se perdeu.

Sem Michael, será muito, mas muito mais difícil, curar este mundo.





O espontâneo e o erudito

24 03 2009

A música brasileira sempre foi sinônimo do espontâneo.

Do samba que desce o morro batendo na caixinha de fósforos, do forró tocado com o até então erudito acordeon, do suingue, etc.

Ao longo do tempo, o erudito entrou na vida da música brasileira, mas sem perder seu lado espontâneo.

Exemplo claro disso é o choro, que pelos anos foi absorvendo o suingue de nossa música, elevando-o à enésima potência, principalmente por conta das possibilidades e avanços técnicos de seus músicos, desenvolvidos ao longo dos anos. Tivemos músicos geniais de choro, desde os conhecidos Dino 7 Cordas, Jacob do Bandolim, Raphael Rabello, Yamandú Costa, até outros tantos que, mesmo sem se tornarem famosos, ajudaram a músicam de dentro de seus nichos.

Mas na música popular é que esta “diferença” entre o espontâneo e o erudito é ainda mais curiosa.

Na década de 70, os dois lados se mesclaram e foram responsáveis por uma explosão de talentos que mudou para sempre a nossa história musical.

Destes, eu destacaria como os mais espontâneos Djavan e Jorge Ben. O violão de João Gilberto é hours concours.

Djavan trouxe principalmente musicalidade. Influenciado bastante pela Motown norte-americana, mas sem perder suas raízes alagoanas, ele criou uma maneira nova de tocar violão, de subverter o samba com uma batida nova, até hoje insuperável.

Jorge Ben vem na mesma toada. Mas é ainda mais espontâneo por conta das loucuras ditas em suas músicas, praticamente todas muito simples harmonicamente, mas de um tato e espírito também inigualáveis.

Porém, com o tempo pelo o menos um deles esbarrarou justamente no conhecimento erudito: Jorge Ben.

Sua música não se desenvolveu, embora ainda hoje pareça moderna.

Já Djavan foi atrás de ainda mais possibilidades, misturou seu raro estilo e suingue com o jazz, o soul, o baião, a toada, o funk, e continuou evoluindo, tornando sua discografia indispensável. Mesmo as letras, muitas vezes ininteligíveis, acompanham com precisão sua cozinha sonora.

Milton Nascimento também entra para a lista dos espontâneos. Por sua maneira rara de cantar, seu violão de acordes simples mas geniais, e, claro, o genial Clube da Esquina. Milton, para ser genial, sequer faz força. E me dá a impressão que, com sua timidez, é mesmo fruto do inexplicável.

E há muitos outros pra citar. Como Gilberto Gil, que fez do violão uma sanfona, entre tantos.

Já o lado erudito nunca se distanciou do espontâneo no Brasil. Pelo o menos não quando falamos de música popular.

Daqueles que podemos apontar como os que mais longe foram Chico Buarque e, claro, Tom Jobim.

Chico é popular e espontâneo, ponto final. Mas suas músicas têm uma complexidade que exige um conhecimento erudito acima da média.

E Tom Jobim, bem, é Tom Jobim. O pai de todos os compositores.

Mesmo tecnicamente acima da média, os dois tem um diferencial que não entra nas partituras: a sensibilidade.

Tanto que, juntos, fizeram músicas que serão lembradas sempre como das mais bonitas de toda a história.

Eu Te Amo, Choro Bandido (com Edu Lobo), Imagina, Sabiá, Retrato em Branco e Preto, Anos Dourados, Carta do Tom, Meninos, Eu Vi, Olha, Maria e A Violeira. Mais algum?

São a expressão do que torna a música brasileira única no mundo: o sentimento.