A música brasileira sempre foi sinônimo do espontâneo.
Do samba que desce o morro batendo na caixinha de fósforos, do forró tocado com o até então erudito acordeon, do suingue, etc.
Ao longo do tempo, o erudito entrou na vida da música brasileira, mas sem perder seu lado espontâneo.
Exemplo claro disso é o choro, que pelos anos foi absorvendo o suingue de nossa música, elevando-o à enésima potência, principalmente por conta das possibilidades e avanços técnicos de seus músicos, desenvolvidos ao longo dos anos. Tivemos músicos geniais de choro, desde os conhecidos Dino 7 Cordas, Jacob do Bandolim, Raphael Rabello, Yamandú Costa, até outros tantos que, mesmo sem se tornarem famosos, ajudaram a músicam de dentro de seus nichos.
Mas na música popular é que esta “diferença” entre o espontâneo e o erudito é ainda mais curiosa.
Na década de 70, os dois lados se mesclaram e foram responsáveis por uma explosão de talentos que mudou para sempre a nossa história musical.
Destes, eu destacaria como os mais espontâneos Djavan e Jorge Ben. O violão de João Gilberto é hours concours.
Djavan trouxe principalmente musicalidade. Influenciado bastante pela Motown norte-americana, mas sem perder suas raízes alagoanas, ele criou uma maneira nova de tocar violão, de subverter o samba com uma batida nova, até hoje insuperável.
Jorge Ben vem na mesma toada. Mas é ainda mais espontâneo por conta das loucuras ditas em suas músicas, praticamente todas muito simples harmonicamente, mas de um tato e espírito também inigualáveis.
Porém, com o tempo pelo o menos um deles esbarrarou justamente no conhecimento erudito: Jorge Ben.
Sua música não se desenvolveu, embora ainda hoje pareça moderna.
Já Djavan foi atrás de ainda mais possibilidades, misturou seu raro estilo e suingue com o jazz, o soul, o baião, a toada, o funk, e continuou evoluindo, tornando sua discografia indispensável. Mesmo as letras, muitas vezes ininteligíveis, acompanham com precisão sua cozinha sonora.
Milton Nascimento também entra para a lista dos espontâneos. Por sua maneira rara de cantar, seu violão de acordes simples mas geniais, e, claro, o genial Clube da Esquina. Milton, para ser genial, sequer faz força. E me dá a impressão que, com sua timidez, é mesmo fruto do inexplicável.
E há muitos outros pra citar. Como Gilberto Gil, que fez do violão uma sanfona, entre tantos.
Já o lado erudito nunca se distanciou do espontâneo no Brasil. Pelo o menos não quando falamos de música popular.
Daqueles que podemos apontar como os que mais longe foram Chico Buarque e, claro, Tom Jobim.
Chico é popular e espontâneo, ponto final. Mas suas músicas têm uma complexidade que exige um conhecimento erudito acima da média.
E Tom Jobim, bem, é Tom Jobim. O pai de todos os compositores.
Mesmo tecnicamente acima da média, os dois tem um diferencial que não entra nas partituras: a sensibilidade.
Tanto que, juntos, fizeram músicas que serão lembradas sempre como das mais bonitas de toda a história.
Eu Te Amo, Choro Bandido (com Edu Lobo), Imagina, Sabiá, Retrato em Branco e Preto, Anos Dourados, Carta do Tom, Meninos, Eu Vi, Olha, Maria e A Violeira. Mais algum?
São a expressão do que torna a música brasileira única no mundo: o sentimento.